Wednesday, October 5, 2022

ALAGADO

00


Não, garoto. Mentiram pra você. Mais do que nunca, você não poderá fazer o que quer. Obrigações de crianças mimadas não contam como a opressão que se encontra nos bares e esquinas. Lembre-se de suas origens e de seus privilégios. Sempre trincando os tetos das aparências. Separados por vigas e nervuras arquitetadas somente para nos infernizar. Sempre aparando os pelos das narinas, por que eles crescem. Sim, garoto. Os pelos crescem e mais do que nunca, incomodam. Incomodam e irritam a pele, rançosa e oleosa, e não adianta se coçar. Pois, por mais que tentamos, sempre somos assombrados pelos murmúrios dos nossos fantasmas. Aqueles que nos matam a cada noite que descansamos; não literalmente, é claro. Não conclua nada! Fique à metade e ao meio, sempre. Ansiando pelo final, e suspirando pelos começos. Nunca conclua. Sempre se alie aos inícios, às primeiras vezes... eternas primeiras vezes.


01


Renascer não é uma tarefa fácil. Pra quem estava morto, levantar-se e caminhar não é tão simples assim. Lázaro e Jesus. Dicotomia e singularidades. Tudo nessa vida, e repito, tudo é sobre decisões ruins. Isso se estivermos vivos para escolher, e repito, se.
Mantivemos por séculos, essa ilusão de que, tudo que sabemos nos torna capazes de agirmos. Mas há uma controvérsia. E os covardes? Quem não assume os riscos. E quem, mas do que nunca, mantém a salvo suas ideias e respaldo. Aos covardes então. À todas as decisões ruins que não tiveram, e sobretudo, à marca da besta, cunhada à ferro nas suas testas... pois nunca serão como Deus, que erra e aprende. Um brinde aos fracassos e fracassados.


02


Lembro dos dias de inverno; quando eu mesmo me encontrava entre os mortos. As palavras soavam como mentiras e eram inúmeras tanto quando as bitucas que jogava aos cantos do quarto; escuro e úmido. Agora me encontro sem objetivo artístico, nada que componho ou escrevo, tem obscuridade. O preço foi alto demais. Minha alma, vendida e barganhada. Até mesmo a vazio que me compunha, por mais estranho que pareça, me faz falta. Culpa e vergonha, me assolam à noite... Junto de meus ideais, igualmente em cacos; despedaçados e lançados aos lobos.


03


Mamãe, eu tô de boa. Não vou me submeter a essas humilhações de fim de ano. Situação hipotéticas tão constrangedoras que eu não iria me submeter. Aquelas perguntas vazias e sem um real sentido. "Os namorados? Já beijou as bocas das amigas?". Tudo coberto por uma névoa familiar, daquelas que nem se enxerga um palmo abaixo do nariz. Indistinguível pessoas. Tão vagas quanto qualquer líquido incolor; elas são, também, inodoras e insípidas... figurativamente, são fluidas e instáveis. As piadas com comidas à mesa. Postas à mesa, as caras vermelhas e rosadas. Típica cena, e digna de um comercial de margarina. A família ideal. Pra mim, disfuncional... como qualquer outra. "Disfuncional? Minha família não é disfuncional!" Seria o que provavelmente alguma tia diria para mim. O que me asseguraria cada vez mais da minha certeza. Pois só se eu me submete-se à uma humilhação dessa, e isso eu garanto mamãe, não vou... não hoje.

ALAGADO

00 Não, garoto. Mentiram pra você. Mais do que nunca, você não poderá fazer o que quer. Obrigações de crianças mimadas não contam como a opr...